
Promovendo o bem-estar integral: resultados de uma intervenção de florescimento humano em adultos com sintomas depressivos
- 2 setembro 2025
- 14:00
- Autora: Camilla Casaletti Braghetta
- Doutoranda pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP
A depressão é uma das principais causas de incapacidade no mundo e afeta mais de 30 milhões de pessoas, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) 1. No Brasil, os transtornos depressivos representam um peso significativo na vida das pessoas, interferindo em sua qualidade de vida, relações e produtividade. Embora existam diversos tratamentos farmacológicos e psicoterápicos disponíveis, muitos pacientes relatam apenas melhora parcial ou de curta duração. Esse cenário tem impulsionado a busca por intervenções inovadoras, acessíveis e de baixo custo, capazes de atuar para além da redução de sintomas e promover o bem-estar integral.
Nesse contexto, ganha força uma visão ampliada da saúde mental que não se limita ao alívio do sofrimento, mas procura também fomentar aspectos positivos da vida. É nesse ponto que surge o conceito de florescimento humano, consolidado nas últimas décadas como uma das formas mais abrangentes de compreender o bem-estar. Trata-se de um modelo multidimensional que inclui saúde física e mental, propósito, forças de caráter, relacionamentos e estabilidade financeira 2. Em síntese, florescer é mais do que “não estar doente”: é viver com engajamento e sentido, construindo recursos pessoais e sociais que permitem lidar com desafios e manter o equilíbrio ao longo da vida.
Foi nesse contexto que nasceu a Intervenção Florescer (Flourishing Intervention), desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo. O programa foi estruturado para fortalecer diferentes dimensões do florescimento humano, indo além do modelo tradicional centrado na doença, e propondo estratégias para ampliar emoções positivas, virtudes e valores humanos 3.
O estudo foi conduzido entre julho de 2022 e maio de 2024 e utilizou um desenho quase-experimental, do tipo antes e depois, com abordagem mista (quantitativa e qualitativa). Inicialmente, 202 adultos com sintomas depressivos moderados a moderadamente graves foram recrutados para participar da intervenção, realizada de forma online e em grupo, ao longo de 12 semanas, com encontros semanais de 90 minutos. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão — que contemplavam, por exemplo, idade entre 18 e 59 anos, escolaridade mínima de ensino fundamental, residência em São Paulo e exclusão de casos com sintomas graves ou ideação suicida — a amostra final analisada foi composta por 98 participantes. Além das escalas quantitativas (como PHQ-9 e BDI-II), o estudo incluiu também grupos focais no pós-intervenção, buscando integrar a experiência subjetiva dos participantes aos dados estatísticos e ampliar a compreensão dos resultados.
O protocolo foi conduzido por profissionais de saúde treinados (psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, entre outros). As sessões abordaram temas como: forças de caráter e virtudes, gratidão e amor, atos de bondade e voluntariado, perdão e compaixão, espiritualidade e propósito de vida, resiliência, imaginar um melhor futuro possível para si, entre outros tópicos relacionados ao florescimento humano. Os encontros combinaram discussões em grupo, exercícios de escrita, meditações guiadas e materiais multimídia, promovendo reflexões individuais e em grupo.
Os resultados mostraram-se promissores. Após a intervenção, os participantes apresentaram redução significativa dos sintomas depressivos, tanto pelo PHQ-9 (d=-1.14) quanto pelo Inventário de Depressão de Beck-II (d=-1.24). Outros ganhos observados incluíram: redução de sintomas de ansiedade, aumento do florescimento pessoal (d=0.80), melhora na qualidade de vida (física, psicológica, social e ambiental), maior engajamento em espiritualidade e coping religioso positivo, aumento em felicidade, gratidão, perdão e satisfação com a vida.
Na análise dos dados qualitativos, os participantes relataram sentir-se mais calmos, motivados, menos ansiosos e mais conectados com aspectos espirituais e relacionais da vida. Muitos descreveram mudanças práticas em suas rotinas — como iniciar exercícios físicos, retomar a leitura, buscar psicoterapia ou engajar-se em grupos de apoio. Houve quem mencionasse que, após as sessões, conseguiu concluir projetos pessoais que estavam há meses parados. Também relataram maior conexão com outras pessoas, valorização de vínculos sociais e percepção renovada de propósito. Esses relatos reforçam que a intervenção não apenas reduziu sintomas, mas promoveu transformações concretas no cotidiano.
Por que florescer importa? Enquanto tratamentos convencionais tendem a focar na redução de sintomas, a proposta da Intervenção Florescer pretende ser mais abrangente: considera saúde física, emocional, espiritual e social como dimensões interconectadas. Esse modelo está alinhado à visão contemporânea de bem-estar como flourishing, conforme compreendido pelo pesquisador Tyler VanderWeele 4, que descreve o florescimento humano como um estado em que múltiplos domínios da vida — incluindo relações, propósito, virtudes, saúde mental e física — estão funcionando de forma satisfatória e integrada. Na prática, isso significa que não basta reduzir depressão ou ansiedade, é preciso oferecer ferramentas para que as pessoas desenvolvam resiliência, fortaleçam relações, cultivem gratidão e encontrem sentido. O florescimento, portanto, não é apenas ausência de doença, mas a presença de uma vida plena, orientada pelo crescimento pessoal e coletivo.
O formato online do programa foi uma estratégia eficaz para superar barreiras logísticas, financeiras e de mobilidade, ampliando o alcance da proposta. Outro aspecto importante do programa , é que este enfoque menos estigmatizante também pode atrair indivíduos que não procuram tratamento formal, mas que se interessam em melhorar sua qualidade de vida.
Como se trata de um estudo quase experimental, sem grupo controle, não foi possível estabelecer relações de causalidade definitivas. Além disso, houve uma taxa de desistência relativamente alta (51,5%), o que reflete os desafios de intervenções online de longa duração. Ainda assim, a convergência entre os dados quantitativos e qualitativos sugere que o programa é viável, foi bem aceito pelos participantes e mostrou potencial de impacto clínico. Próximos estudos devem incluir ensaios clínicos randomizados para confirmar a eficácia da intervenção e explorar os mecanismos que sustentam as mudanças observadas.
A pesquisa indica que intervenções como esta podem ser incorporadas em serviços de saúde mental e atenção primária, inclusive em países em desenvolvimento, onde há alta demanda e recursos limitados. Além disso, como o programa pode ser conduzido por profissionais de diferentes áreas da saúde – desde que treinados – ele abre novas possibilidades de atuação multiprofissional, fortalecendo redes de cuidado acessíveis e humanizadas.
A Intervenção Florescer surge como uma proposta inovadora e acessível para lidar com sintomas depressivos, ao mesmo tempo em que promove o bem-estar integral. Seus resultados iniciais indicam que cultivar virtudes, emoções positivas e propósito pode ser tão importante quanto reduzir sintomas — e, juntos, esses fatores podem apoiar pessoas em direção a uma vida mais plena e significativa.
Referências
- World Health Organization. Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates.Geneva: WHO, 2017.
- VanderWeele TJ. On the promotion of human flourishing. Proc Natl Acad Sci. (2017) 114:8148–56. doi: 10.1073/pnas.1702996114
- Gonçalves JP de B, Braghetta CC, Alvarenga W de A, Gorenstein C, Lucchetti G, Vallada H. Development of a comprehensive flourishing intervention to promote mental health using an e-Delphi technique. Front Psych. (2023) 14. doi: 10.3389/ fpsyt.2023.1064137
VanderWeele TJ, Case BW, Chen Y, Cowden RG, Johnson B, Lee MT, et al. Flourishing in critical dialogue. SSM- Ment Health. (2023) 3:100172. doi: 10.1016/2022.100172 21.
Promoting integral well-being: results of a human flourishing intervention in adults with depressive symptoms
Depression is one of the main causes of disability in the world and affects more than 30 million people, according to estimates from the World Health Organization (WHO). In Brazil, depressive disorders represent a significant burden in people’s lives, interfering with their quality of life, relationships, and productivity. Although there are several pharmacological and psychotherapeutic treatments available, many patients report only partial or short-lasting improvement. This scenario has driven the search for innovative, accessible, and low-cost interventions, capable of acting beyond symptom reduction and promoting integral well-being.
In this context, a broadened view of mental health gains strength that is not limited to the relief of suffering but also seeks to foster positive aspects of life. It is at this point that the concept of human flourishing arises, consolidated in recent decades as one of the most comprehensive ways to understand well-being. It is a multidimensional model that includes physical and mental health, purpose, character strengths, relationships, and financial stability. In summary, to flourish is more than “not being ill”: it is to live with engagement and meaning, building personal and social resources that allow dealing with challenges and maintaining balance throughout life.
It was in this context that the Flourishing Intervention was born, developed by a group of researchers from the University of São Paulo. The program was structured to strengthen different dimensions of human flourishing, going beyond the traditional disease-centered model, and proposing strategies to expand positive emotions, virtues, and human values.
The study was conducted between July 2022 and May 2024 and used a quasi-experimental design, of the before-and-after type, with a mixed approach (quantitative and qualitative). Initially, 202 adults with moderate to moderately severe depressive symptoms were recruited to participate in the intervention, conducted online and in groups, over 12 weeks, with weekly 90-minute meetings. After applying inclusion and exclusion criteria—which included, for example, ages between 18 and 59 years, minimum elementary education, residence in São Paulo, and exclusion of cases with severe symptoms or suicidal ideation—the final sample analyzed consisted of 98 participants. Besides the quantitative scales (such as PHQ-9 and BDI-II), the study also included focus groups post-intervention, seeking to integrate participants’ subjective experience with statistical data and broaden the understanding of the results.
The protocol was conducted by trained health professionals (psychologists, social workers, occupational therapists, among others). The sessions addressed topics such as: character strengths and virtues, gratitude and love, acts of kindness and volunteering, forgiveness and compassion, spirituality and life purpose, resilience, imagining a better possible future for oneself, among other topics related to human flourishing. The meetings combined group discussions, writing exercises, guided meditations, and multimedia materials, promoting individual and group reflections.
The results proved promising. After the intervention, participants showed a significant reduction in depressive symptoms, both by PHQ-9 (d = -1.14) and by Beck Depression Inventory-II (d = -1.24). Other observed gains included: reduction of anxiety symptoms, increase in personal flourishing (d = 0.80), improvement in quality of life (physical, psychological, social, and environmental), greater engagement in spirituality and positive religious coping, increases in happiness, gratitude, forgiveness, and life satisfaction.
In the qualitative data analysis, participants reported feeling calmer, more motivated, less anxious, and more connected with spiritual and relational aspects of life. Many described practical changes in their routines—such as starting physical exercise, resuming reading, seeking psychotherapy, or engaging in support groups. Some mentioned that after the sessions, they were able to finish personal projects that had been paused for months. They also reported greater connection with other people, appreciation of social bonds, and a renewed sense of purpose. These reports reinforce that the intervention not only reduced symptoms but also promoted concrete transformations in daily life.
Why does flourishing matter? While conventional treatments tend to focus on symptom reduction, the proposal of the Flourishing Intervention intends to be more comprehensive: it considers physical, emotional, spiritual, and social health as interconnected dimensions. This model aligns with the contemporary vision of well-being as flourishing, as understood by researcher Tyler VanderWeele, who describes human flourishing as a state in which multiple domains of life—including relationships, purpose, virtues, mental and physical health—are functioning satisfactorily and integrated. In practice, this means that it is not enough to reduce depression or anxiety; it is necessary to provide tools so that people develop resilience, strengthen relationships, cultivate gratitude, and find meaning. Flourishing, therefore, is not only the absence of disease but the presence of a full life, guided by personal and collective growth.
The online format of the program was an effective strategy to overcome logistical, financial, and mobility barriers, expanding the reach of the proposal. Another important aspect of the program is that this less stigmatizing focus may also attract individuals who do not seek formal treatment but are interested in improving their quality of life.
Since it is a quasi-experimental study, without a control group, it was not possible to establish definitive causal relationships. Furthermore, there was a relatively high dropout rate (51.5%), which reflects the challenges of long-duration online interventions. Still, the convergence between quantitative and qualitative data suggests that the program is viable, was well accepted by participants, and showed potential for clinical impact. Future studies should include randomized clinical trials to confirm the efficacy of the intervention and explore the mechanisms that underlie the observed changes.
The research indicates that interventions like this can be incorporated into mental health and primary care services, including in developing countries, where there is high demand and limited resources. Moreover, since the program can be conducted by professionals from different health areas—provided they are trained—it opens new possibilities for multiprofessional action, strengthening accessible and humanized care networks.
The Flourishing Intervention emerges as an innovative and accessible proposal to address depressive symptoms, while simultaneously promoting integral well-being. Its initial results indicate that cultivating virtues, positive emotions, and purpose can be as important as reducing symptoms—and, together, these factors can support people toward a fuller and more meaningful life.
References
- World Health Organization. Depression and Other Common Mental Disorders: Global Health Estimates.Geneva: WHO, 2017.
- VanderWeele TJ. On the promotion of human flourishing. Proc Natl Acad Sci. (2017) 114:8148–56. doi: 10.1073/pnas.1702996114
- Gonçalves JP de B, Braghetta CC, Alvarenga W de A, Gorenstein C, Lucchetti G, Vallada H. Development of a comprehensive flourishing intervention to promote mental health using an e-Delphi technique. Front Psych. (2023) 14. doi: 10.3389/ fpsyt.2023.1064137
- VanderWeele TJ, Case BW, Chen Y, Cowden RG, Johnson B, Lee MT, et al. Flourishing in critical dialogue. SSM- Ment Health. (2023) 3:100172. doi: 10.1016/2022.100172 21.