Espiritualidade e Psicodélicos: (Re)Abrindo as Portas da Percepção
- 21 outubro 2025
 - 14:00
 - Autor: Jeverson Reichow
 
Introdução
Nas últimas duas décadas, as pesquisas científicas com psicodélicos vêm ganhando força e despertando interesse tanto da comunidade acadêmica quanto do público em geral. Ensaios clínicos com substâncias como psilocibina, LSD e MDMA têm mostrado eficácia em condições como depressão resistente, transtornos relacionados ao uso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), como descrito por Griffiths et al. (2006, 2008) e confirmado em protocolos de Johnson et al. (2008).
Os psicodélicos são capazes de induzir experiências subjetivas intensas e incomuns, muitas vezes descritas como espirituais ou místicas. Tais experiências incluem sentimentos de unidade, transcendência, contato com dimensões percebidas como espirituais e atribuição de profundo significado pessoal. Estudos longitudinais indicam que a intensidade dessas vivências está diretamente relacionada a benefícios sustentados em bem-estar e qualidade de vida, como relatado por Griffiths et al. (2008).
De acordo com a Teoria do Cérebro Entrópico, desenvolvida por Carhart-Harris et al. (2014) e posteriormente revisitada por Carhart-Harris (2018), esses estados alterados de consciência podem ser compreendidos como momentos de maior entropia neural, nos quais padrões rígidos de pensamento e emoção se flexibilizam. Esse aumento de entropia cerebral possibilita reorganizações internas que podem promover insights emocionais e novas perspectivas existenciais.
No Brasil, o estudo das experiências anômalas e espirituais vai além do uso de psicodélicos. Pesquisas sobre mediunidade mostram que tais vivências são relativamente comuns e não estão necessariamente associadas à psicopatologia, podendo inclusive se relacionar a indicadores positivos de saúde mental, como discutido em Reichow (2017). Essa interseção entre espiritualidade, mediunidade, psicodélicos e teorias contemporâneas da consciência abre um campo fértil para repensar a saúde em sua dimensão integral.
Panorama atual das pesquisas com psicodélicos
O trabalho pioneiro de Griffiths et al. (2006) demonstrou que experiências místicas ocasionadas pela psilocibina foram avaliadas pelos participantes como altamente significativas, com impacto espiritual e pessoal duradouro. No seguimento de 14 meses, muitos continuavam a considerar essas vivências entre as mais importantes de suas vidas (Griffiths et al., 2008). Segundo Johnson et al. (2008), esses efeitos não devem ser vistos como simples epifenômenos subjetivos, mas como parte central do potencial terapêutico dos psicodélicos. Protocolos bem conduzidos exigem condições de segurança, preparo adequado e integração pós-experiência, pois o contexto (“set and setting”) é determinante para o desfecho positivo.
Mais recentemente, Jardim et al. (2021) relataram em um estudo piloto brasileiro os efeitos da psicoterapia assistida por MDMA em vítimas de abuso sexual com TEPT grave. Os resultados mostraram que a abertura experiencial e a reconciliação emocional — muitas vezes descritas em termos espirituais — foram centrais no processo terapêutico.
Além dos relatos subjetivos, pesquisas de neuroimagem demonstram alterações persistentes na função cerebral após o uso de psicodélicos. Barrett et al. (2020) observaram que uma única dose elevada de psilocibina pode modificar emoções e funcionamento cerebral por até um mês. Esses achados corroboram a ideia de que tais substâncias não apenas induzem experiências intensas, mas também promovem mudanças neurobiológicas que sustentam os efeitos terapêuticos.
Nichols (2020) destaca que a psilocibina, que já foi associada a práticas espirituais ancestrais, hoje ocupa um espaço central na medicina moderna, exemplificando o diálogo entre tradição e ciência. Da mesma forma, Schenberg (2021) ressalta que os psicodélicos configuram uma nova fronteira terapêutica em psiquiatria, ao oferecer ferramentas para lidar com condições até então de difícil tratamento.
Por fim, Carhart-Harris (2018) reforça que os efeitos subjetivos relatados em experiências místicas são consistentes com os mecanismos propostos pela Teoria do Cérebro Entrópico. O aumento de entropia cerebral, ao flexibilizar padrões mentais rígidos, pode ser o elo entre a experiência subjetiva e a melhora clínica observada em tantos pacientes.
Em estudo de doutorado recente (Reichow, 2017), buscou-se identificar a prevalência de fenômenos incomuns de consciência em diferentes grupos populacionais.
Os principais achados foram:
- Prevalência: experiências anômalas são relativamente comuns, especialmente entre médiuns, mas também presentes em não médiuns.
 - Diagnóstico diferencial: nem todas as vivências incomuns configuram transtorno mental. Muitas vezes, o desafio clínico é distinguir experiências espirituais autênticas de sintomas psicopatológicos.
 - Qualidade de vida: em diversos casos, tais experiências estavam associadas a indicadores positivos de bem-estar, sugerindo um papel adaptativo e integrador quando contextualizadas de forma adequada.
 - Relevância subjetiva: participantes frequentemente atribuíam grande importância pessoal e espiritual a essas vivências, em consonância com os achados de Griffiths et al. (2006, 2008) sobre experiências psicodélicas.
 
Esses resultados dialogam com os pressupostos da Teoria do Cérebro Entrópico (Carhart-Harris et al., 2014; Carhart-Harris, 2018), que sugere que estados incomuns de consciência — sejam induzidos por psicodélicos, sejam vividos em contextos espirituais ou mediúnicos — podem aumentar a flexibilidade cognitiva e emocional. Tanto a mediunidade quanto os psicodélicos parecem acessar esse espectro de estados de consciência de maior entropia, capazes de facilitar reorganizações internas com impacto positivo na vida das pessoas.
Discussão e perspectivas futuras
A integração entre pesquisas sobre mediunidade, psicodélicos e teoria da consciência aponta para um denominador comum: as experiências anômalas podem atuar como catalisadores de transformação psicológica e espiritual. O impacto dessas vivências depende do contexto em que ocorrem, do suporte recebido e dos processos de integração subsequentes, como já sublinhado por Johnson et al. (2008).
No futuro, a investigação científica sobre espiritualidade e psicodélicos pode se beneficiar de diferentes direções:
- Modelos comparativos entre vivências mediúnicas, psicodélicas e espontâneas, permitindo compreender pontos de convergência e divergência.
 - Ferramentas diagnósticas refinadas, capazes de diferenciar experiências espirituais saudáveis de condições clínicas, algo essencial para a prática clínica.
 - Estudos longitudinais, como os de Griffiths et al. (2008), que possam explorar a relação entre experiências anômalas, qualidade de vida e desenvolvimento humano ao longo do tempo.
 - Integração interdisciplinar, unindo psicologia, psiquiatria, neurociência, antropologia e estudos da religião, como sugerido por Schenberg (2021).
 
Nesse sentido, a Teoria do Cérebro Entrópico (Carhart-Harris et al., 2014; Carhart-Harris, 2018) pode oferecer um quadro conceitual unificador, explicando por que experiências espirituais e psicodélicas, quando bem contextualizadas e integradas, têm potencial para gerar mudanças duradouras em saúde mental e bem-estar.
Conclusão
As pesquisas com psicodélicos (Griffiths et al., 2006, 2008; Johnson et al., 2008; Barrett et al., 2020; Nichols, 2020; Schenberg, 2021), os estudos brasileiros em mediunidade (Reichow, 2017) e os avanços teóricos sobre estados de consciência (Carhart-Harris et al., 2014; Carhart-Harris, 2018) convergem em um ponto fundamental: experiências anômalas não são necessariamente sinais de patologia, podendo estar associadas a crescimento pessoal, espiritualidade e melhor qualidade de vida. Reichow (2017) reforça a importância de considerar essas vivências sob uma perspectiva ampla, que reconheça seu valor existencial e integrador.
Referências
- GRIFFITHS, R. et al. Psilocybin can occasion mystical-type experiences having substantial and sustained personal meaning and spiritual significance. Psychopharmacology, v. 187, n. 3, p. 268-283, 2006.
 
- GRIFFITHS, R. et al. Mystical-type experiences occasioned by psilocybin mediate the attribution of personal meaning and spiritual significance 14 months later. Journal of Psychopharmacology, v. 22, n. 6, p. 621-632, 2008.
 - JOHNSON, M.; RICHARDS, W.; GRIFFITHS, R. Human hallucinogen research: guidelines for safety. Journal of Psychopharmacology, v. 22, n. 6, p. 603–620, 2008.
 - JARDIM, A. V. et al. 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA) -assisted psychotherapy for victims of sexual abuse with severe PTSD: an open label pilot study in Brazil. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 43, n. 2, p. 181-185, 2021.
 - BARRETT, F. et al. Emotions and brain function are altered up to one month after a single high dose of psilocybin. Scientific Reports, v. 10, n. 2214, 2020.
 - NICHOLS, D. Psilocybin: from ancient magic to modern medicine. The Journal of Antibiotics, v. 73, p. 679–686, 2020.
 - SCHENBERG, E. Psychedelic drugs as new tools in psychiatric therapeutics. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 43, n. 2, p. 121-122, 2021.
 - REICHOW, J. R. C. Estudo de experiências anômalas em Médiuns e não Médiuns: prevalência, relevância, diagnóstico diferencial de transtornos mentais e relação com qualidade de vida. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade de São Paulo, 2017.
 - CARHART-HARRIS, R. L. et al. The entropic brain: a theory of conscious states informed by neuroimaging research with psychedelic drugs. Frontiers in Human Neuroscience, v. 8, p. 1-22, 2014.
 - CARHART-HARRIS, R. L. The entropic brain – revisited. Neuropharmacology, v. 142, p. 167–178, 2018.
 
Spirituality and Psychedelics: (Re)Opening the Doors of Perception
Introduction
Over the past two decades, scientific research on psychedelics has been gaining strength and attracting interest from both the academic community and the general public. Clinical trials with substances such as psilocybin, LSD, and MDMA have shown efficacy in conditions such as treatment-resistant depression, substance use disorders, and post-traumatic stress disorder (PTSD), as described by Griffiths et al. (2006, 2008) and confirmed in the protocols of Johnson et al. (2008).
Psychedelics are capable of inducing intense and unusual subjective experiences, often described as spiritual or mystical. Such experiences include feelings of unity, transcendence, contact with dimensions perceived as spiritual, and the attribution of profound personal meaning. Longitudinal studies indicate that the intensity of these experiences is directly related to sustained benefits in well-being and quality of life, as reported by Griffiths et al. (2008).
According to the Entropic Brain Theory, developed by Carhart-Harris et al. (2014) and later revisited by Carhart-Harris (2018), these altered states of consciousness can be understood as moments of greater neural entropy, in which rigid patterns of thought and emotion become more flexible. This increase in brain entropy allows for internal reorganizations that may promote emotional insights and new existential perspectives.
In Brazil, the study of anomalous and spiritual experiences goes beyond the use of psychedelics. Research on mediumship shows that such experiences are relatively common and not necessarily associated with psychopathology, and may even be related to positive indicators of mental health, as discussed in Reichow (2017). This intersection between spirituality, mediumship, psychedelics, and contemporary theories of consciousness opens fertile ground for rethinking health in its integral dimension.
Current Landscape of Psychedelic Research
The pioneering work of Griffiths et al. (2006) demonstrated that mystical experiences occasioned by psilocybin were evaluated by participants as highly meaningful, with lasting spiritual and personal impact. At the 14-month follow-up, many continued to consider these experiences among the most important of their lives (Griffiths et al., 2008). According to Johnson et al. (2008), these effects should not be viewed as mere subjective epiphenomena but as a central part of the therapeutic potential of psychedelics. Well-conducted protocols require conditions of safety, adequate preparation, and post-experience integration, since the context (“set and setting”) is decisive for a positive outcome.
More recently, Jardim et al. (2021) reported in a Brazilian pilot study the effects of MDMA-assisted psychotherapy in victims of sexual abuse with severe PTSD. The results showed that experiential openness and emotional reconciliation—often described in spiritual terms—were central in the therapeutic process.
Beyond subjective reports, neuroimaging research has demonstrated persistent changes in brain function after the use of psychedelics. Barrett et al. (2020) observed that a single high dose of psilocybin can alter emotions and brain functioning for up to a month. These findings support the idea that such substances not only induce intense experiences but also promote neurobiological changes that sustain therapeutic effects.
Nichols (2020) highlights that psilocybin, once associated with ancestral spiritual practices, now occupies a central place in modern medicine, exemplifying the dialogue between tradition and science. Likewise, Schenberg (2021) emphasizes that psychedelics constitute a new therapeutic frontier in psychiatry, offering tools to address conditions previously considered difficult to treat.
Finally, Carhart-Harris (2018) reinforces that the subjective effects reported in mystical experiences are consistent with the mechanisms proposed by the Entropic Brain Theory. The increase in brain entropy, by loosening rigid mental patterns, may be the link between subjective experience and the clinical improvement observed in so many patients.
In a recent doctoral study (Reichow, 2017), the aim was to identify the prevalence of unusual phenomena of consciousness in different population groups.
The main findings were:
- Prevalence: anomalous experiences are relatively common, especially among mediums, but also present in non-mediums.
 - Differential diagnosis: not all unusual experiences constitute mental disorder. Often, the clinical challenge is to distinguish authentic spiritual experiences from psychopathological symptoms.
 - Quality of life: in several cases, such experiences were associated with positive indicators of well-being, suggesting an adaptive and integrative role when properly contextualized.
 - Subjective relevance: participants often attributed great personal and spiritual importance to these experiences, in line with the findings of Griffiths et al. (2006, 2008) on psychedelic experiences.
 
These results dialogue with the assumptions of the Entropic Brain Theory (Carhart-Harris et al., 2014; Carhart-Harris, 2018), which suggests that unusual states of consciousness—whether induced by psychedelics or experienced in spiritual or mediumistic contexts—can increase cognitive and emotional flexibility. Both mediumship and psychedelics seem to access this spectrum of higher-entropy states of consciousness, capable of facilitating internal reorganizations with positive impact on people’s lives.
Discussion and Future Perspectives
The integration between research on mediumship, psychedelics, and consciousness theory points to a common denominator: anomalous experiences can act as catalysts of psychological and spiritual transformation. The impact of these experiences depends on the context in which they occur, the support received, and the subsequent integration processes, as already emphasized by Johnson et al. (2008).
In the future, scientific investigation on spirituality and psychedelics may benefit from different directions:
- Comparative models between mediumistic, psychedelic, and spontaneous experiences, enabling the understanding of points of convergence and divergence.
 - Refined diagnostic tools, capable of differentiating healthy spiritual experiences from clinical conditions, which is essential for clinical practice.
 - Longitudinal studies, such as those of Griffiths et al. (2008), that can explore the relationship between anomalous experiences, quality of life, and human development over time.
 - Interdisciplinary integration, uniting psychology, psychiatry, neuroscience, anthropology, and religious studies, as suggested by Schenberg (2021).
 
In this sense, the Entropic Brain Theory (Carhart-Harris et al., 2014; Carhart-Harris, 2018) may provide a unifying conceptual framework, explaining why spiritual and psychedelic experiences, when properly contextualized and integrated, have the potential to generate lasting changes in mental health and well-being.
Conclusion
Research on psychedelics (Griffiths et al., 2006, 2008; Johnson et al., 2008; Barrett et al., 2020; Nichols, 2020; Schenberg, 2021), Brazilian studies on mediumship (Reichow, 2017), and theoretical advances on states of consciousness (Carhart-Harris et al., 2014; Carhart-Harris, 2018) converge on a fundamental point: anomalous experiences are not necessarily signs of pathology but may be associated with personal growth, spirituality, and improved quality of life. Reichow (2017) reinforces the importance of considering these experiences from a broad perspective, one that recognizes their existential and integrative value.
Refererences
- GRIFFITHS, R. et al. Psilocybin can occasion mystical-type experiences having substantial and sustained personal meaning and spiritual significance. Psychopharmacology, v. 187, n. 3, p. 268-283, 2006.
 
- GRIFFITHS, R. et al. Mystical-type experiences occasioned by psilocybin mediate the attribution of personal meaning and spiritual significance 14 months later. Journal of Psychopharmacology, v. 22, n. 6, p. 621-632, 2008.
 - JOHNSON, M.; RICHARDS, W.; GRIFFITHS, R. Human hallucinogen research: guidelines for safety. Journal of Psychopharmacology, v. 22, n. 6, p. 603–620, 2008.
 - JARDIM, A. V. et al. 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA) -assisted psychotherapy for victims of sexual abuse with severe PTSD: an open label pilot study in Brazil. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 43, n. 2, p. 181-185, 2021.
 - BARRETT, F. et al. Emotions and brain function are altered up to one month after a single high dose of psilocybin. Scientific Reports, v. 10, n. 2214, 2020.
 - NICHOLS, D. Psilocybin: from ancient magic to modern medicine. The Journal of Antibiotics, v. 73, p. 679–686, 2020.
 - SCHENBERG, E. Psychedelic drugs as new tools in psychiatric therapeutics. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 43, n. 2, p. 121-122, 2021.
 - REICHOW, J. R. C. Estudo de experiências anômalas em Médiuns e não Médiuns: prevalência, relevância, diagnóstico diferencial de transtornos mentais e relação com qualidade de vida. Tese (Doutorado em Psicologia). Universidade de São Paulo, 2017.
 - CARHART-HARRIS, R. L. et al. The entropic brain: a theory of conscious states informed by neuroimaging research with psychedelic drugs. Frontiers in Human Neuroscience, v. 8, p. 1-22, 2014.
 - CARHART-HARRIS, R. L. The entropic brain – revisited. Neuropharmacology, v. 142, p. 167–178, 2018.
 
