
A ESPIRITUALIDADE ADENTRA AS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA
- 18 março 2025
- 14:00
- Autor: Alessandre Carvalho Junior
Atualmente a espiritualidade/religiosidade (E/R) já é uma realidade consolidada em diferentes cenários clínicos (1). Embora alguns contextos relacionados a assistência em saúde, a espiritualidade já possua um protagonismo maior, como em unidades que oferecem serviço de cuidados paliativos ou em instituições de longa permanência (2), em outros ambientes, a sua inserção ainda é recente, como nas unidades de terapia intensiva (UTI). Vale reforçar, que a aproximação da temática da E/R em torno do cuidado em saúde carrega consigo um fator importante no próprio entendimento de saúde, o qual ao longo de décadas, passou a ser compreendido como um fenômeno dinâmico, precisando ser revisitado e atualizado de acordo com as necessidades expressas pelas próprias pessoas que utilizam os serviços em saúde. (3)Dentre as diferentes necessidades, as que estão atreladas a dimensão espiritual, amparam uma condição de bem-estar e seus aspectos produzem nos indivíduos doentes à busca de sentido, significado e o propósito na vida, além de incentivá-los a superarem suas dificuldades ou uma situação crítica (3). As necessidades espirituais tornam-se ainda mais relevantes durante os períodos de doença e sofrimento, quando emergem os aspectos existenciais da condição humana, muito comum de ocorrer em unidades críticas. Nesses momentos, alguns pacientes também têm recursos pessoais que são apoiados em aspectos espirituais e, que frequentemente, lhes possibilitam melhor enfrentamento da doença e de situações que ameaçam a vida, como por exemplo, através de práticas, atitudes ou crenças que amenizam os efeitos invasivos e negativos da doença, ao longo de um processo de internação (4).
A partir da década de 2010, o tema da espiritualidade, começou a ser abordado com maior frequência nas UTI´s, através da prática dos profissionais que estão envolvidos na assistência ao paciente (5,6,7). O exercício de cuidar focado na espiritualidade, parte tanto da necessidade de que os próprios profissionais intensivistas têm em reconhecer a importância da adesão da espiritualidade no cuidado, como da demanda de pacientes e familiares que trazem consigo, além das necessidades físicas, os aspectos espirituais como relevantes no cuidado a ser realizado (5).
Apesar de existirem barreiras por parte dos profissionais em relação a inclusão da espiritualidade no exercício do cuidado, a literatura científica tem apontado alguns esforços no sentido da construção de uma cultura institucional acerca da implementação do cuidado espiritual em unidades críticas, a fim de adequar a realidade do ambiente crítico que caracteriza as UTI (8,9).
Frente ao reconhecimento da adesão da espiritualidade nos ambientes de terapia intensiva, minha dissertação de mestrado, produziu dois artigos científicos, que tiverem como objetivo, avaliar na literatura científica através de uma revisão integrativa: 1) as estratégias para incluir o cuidado espiritual no ambiente de terapia intensiva; e, 2) as competências dos profissionais de saúde que atuam em terapia intensiva considerando a espiritualidade.
Dissertação de mestrado.
ESTRATÉGIAS DE INCLUSÃO DO CUIDADO ESPIRITUAL EM UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA
Carvalho Junior A, Netto de Oliveira AM, Silva CD, Piexak DR. Spiritual care in intensive care unit. Is it already a reality?: and integrative review. Einstein (São Paulo). 2025;23(Spec 1):eRW1081.
Este artigo teve como objetivo identificar a partir de uma revisão integrativa da literatura, as estratégias para incluir o cuidado espiritual no ambiente de terapia intensiva de adultos. Foram identificados 6694 artigos nas principais bases de dados em saúde, e foram selecionados 21 artigos. Foram identificadas diferentes estratégias de aproximação da espiritualidade, que incluem a implementação de treinamentos, programas de educação e práticas com os profissionais da saúde. Sendo as entrevistas individuais (nove estudos), a principal estratégia para incluir a espiritualidade no ambiente de terapia intensiva.
As interfaces mais predominantes adotadas foram questionários (nove), aulas, práticas, workshops (sete), leituras (dois) roteiro de perguntas (dois), construção textual (um). Em relação a frequência e duração dessas estratégias, a maioria dos estudos ocorreram apenas em um único momento (dezesseis), dois estudos tiveram três sessões, um estudo com quatro sessões, e, um estudo com oito sessões.
COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS E ESPIRITUALIDADE EM TERAPIA INTENSIVA
Carvalho Junior A, Netto de Oliveira AM, Piexak DR, Silva CD, Lucchetti G. Assessment of spiritual care competencies of critical care health professionals: An integrative review. Intensive Crit Care Nurs. 2025 Jan 8;87:103924. doi: 10.1016/j.iccn.2024.103924. Epub ahead of print. PMID: 39787944.
O segundo artigo teve como objetivo identificar as competências dos profissionais de saúde que atuam no ambiente de terapia intensiva acerca da espiritualidade. Foram identificados 2239 artigos durante a fase de busca nas bases de dados, e foram incluídos 11 estudos. A competência profissional mais prevalente relacionada ao cuidado espiritual foi a atitude relacionada a espiritualidade do paciente, que é caracterizada pela postura por parte do profissional de saúde em respeitar a manifestação individual da espiritualidade, não impor suas próprias crenças espirituais, e estar aberto as crenças espirituais e religiosas do paciente.
A forma de avaliação predominante foram a utilização de escalas likert, encontrada em todos os estudos incluídos. Sendo a Escala de Competência do Cuidado Espiritual (ECCE), o instrumento mais utilizado dentro do cenário hospitalar (cinco). A ECCE é composta de 27 questões divididas em 6 competências “Avaliação e implementação do cuidado espiritual; Profissionalização e melhoria da qualidade do cuidado espiritual; Apoio e aconselhamento individualizado ao paciente; Encaminhamento; Atitude em relação à espiritualidade do paciente e Comunicação” ” (10).
CONCLUSÕES
Aproximar o tema espiritualidade do ambiente de terapia intensiva, onde predominam situações existenciais que oscilam entre o intenso sofrimento, a vida e a morte, assim como emergem diversas dificuldades advindas de uma internação, tais questões mostram a relevância da inclusão da espiritualidade no cuidado prestado, a fim de diminuir sentimentos negativos gerados especificamente na UTI, assim como a responsabilidade dos profissionais em torno de uma prática que contemple a integralidade da assistência prestada, se constituindo em um dos exercícios fundamentais em boas práticas clínicas.
A espiritualidade no ambiente de terapia intensiva é uma realidade que vem se intensificando nos últimos anos através de ações que auxiliam os profissionais da saúde a incluírem esta questão como pertencente ao cuidado junto a prática clínica-assistencial. Explorar as competências que envolvem o cuidado espiritual realizado pelos profissionais da saúde é uma forma de qualificar a discussão dentro do cenário científico, e estimula a sua investigação por meio do paciente em estado crítico ao permitir compreender melhor os desfechos relacionados a assistência à saúde.
REFERÊNCIAS
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- Van Leeuwen, R., Tiesinga, L. J., Middel, B., Post, D., & Jochemsen, H. (2009). The validity and reliability of an instrument to assess nursing competencies in spiritual care. Journal of Clinical Nursing, 18(20), 2857-2869.
SPIRITUALITY ENTERS INTENSIVE CARE UNITS
Currently, spirituality/religiosity (S/R) is already a well-established reality in different clinical settings (1). While in some healthcare contexts spirituality plays a more prominent role, such as in palliative care units or long-term care institutions (2), in other environments, its inclusion is still recent, such as in intensive care units (ICUs).
It is important to emphasize that the integration of S/R into healthcare carries a significant factor in the very understanding of health itself. Over the decades, health has come to be seen as a dynamic phenomenon that needs to be revisited and updated according to the needs expressed by the individuals who use healthcare services (3).
Among the various needs, those related to the spiritual dimension support a state of well-being, helping individuals find meaning, purpose, and significance in life while encouraging them to overcome difficulties or critical situations (3). Spiritual needs become even more relevant during periods of illness and suffering when existential aspects of the human condition emerge—something very common in critical care settings.
At such times, some patients also rely on personal resources grounded in spiritual aspects, which often enable them to better cope with illness and life-threatening situations. These may include practices, attitudes, or beliefs that help mitigate the invasive and negative effects of illness throughout the hospitalization process (4).
From the 2010s onward, spirituality began to be more frequently addressed in ICU through the practices of healthcare professionals involved in patient care (5,6,7). The practice of spiritually centered care arises both from the need of intensive care professionals to recognize the importance of spirituality in treatment and from the demands of patients and their families, who, in addition to physical needs, also consider spiritual aspects relevant to their care (5).
Despite the barriers that some professionals face in incorporating spirituality into patient care, scientific literature has pointed to efforts toward building an institutional culture that includes spiritual care in critical care settings. These efforts aim to align spiritual care with the specific characteristics of ICUs (8,9).
Recognizing the integration of spirituality into intensive care settings, my master’s thesis produced two scientific articles aimed at assessing, through an integrative literature review: 1) Strategies for incorporating spiritual care in intensive care settings; and 2) Competencies of healthcare professionals working in intensive care regarding spirituality.
STRATEGIES FOR INCLUDING SPIRITUAL CARE IN INTENSIVE CARE UNITS
Carvalho Junior A, Netto de Oliveira AM, Silva CD, Piexak DR. Spiritual care in intensive care unit. Is it already a reality?: and integrative review. Einstein (São Paulo). 2025;23(Spec 1):eRW1081.
This article aimed to identify, through an integrative literature review, strategies for incorporating spiritual care in adult intensive care settings. A total of 6,694 articles were identified in major health databases, with 21 articles selected for analysis. Various strategies for integrating spirituality into intensive care were identified, including the implementation of training sessions, educational programs, and practical activities for healthcare professionals. The most commonly used strategy was individual interviews (nine studies).
The most predominant methodological approaches included questionnaires (nine studies), classes, practical exercises, and workshops (seven studies), readings (two studies), question scripts (two studies), and written reflections (one study). Regarding the frequency and duration of these strategies, most studies involved a single intervention session (sixteen studies), while two studies included three sessions, one study had four sessions, and another study had eight sessions.
PROFESSIONAL COMPETENCIES AND SPIRITUALITY IN INTENSIVE CARE
Carvalho Junior A, Netto de Oliveira AM, Piexak DR, Silva CD, Lucchetti G. Assessment of spiritual care competencies of critical care health professionals: An integrative review. Intensive Crit Care Nurs. 2025 Jan 8;87:103924. doi: 10.1016/j.iccn.2024.103924. Epub ahead of print. PMID: 39787944.
The second article aimed to identify the competencies of healthcare professionals working in intensive care settings concerning spirituality. A total of 2,239 articles were identified in the database search, with 11 studies included in the final analysis. The most prevalent professional competency related to spiritual care was the attitude toward the patient’s spirituality. This is characterized by the healthcare professional’s respect for the patient’s individual spiritual expression, the avoidance of imposing personal spiritual beliefs, and an openness to the patient’s spiritual and religious beliefs.
The predominant assessment method involved the use of Likert scales, found in all included studies. The most commonly used instrument in the hospital setting was the Spiritual Care Competence Scale (SCCS), applied in five studies. The SCCS consists of 27 items divided into six competencies: Assessment and implementation of spiritual care; Professionalization and quality improvement of spiritual care; Individualized support and counseling for the patient; Referral; Attitude toward the patient’s spirituality; and Communication (10).
CONCLUSIONS
Bringing spirituality into the intensive care environment—where existential issues oscillate between intense suffering, life, and death, along with various difficulties associated with hospitalization—highlights the importance of including spirituality in patient care. This approach aims to reduce negative emotions experienced in the ICU while reinforcing the responsibility of healthcare professionals to provide holistic and comprehensive care, which is a fundamental component of best clinical practices.
Spirituality in intensive care units has gained increasing recognition in recent years, with initiatives that help healthcare professionals incorporate it into clinical practice. Exploring the competencies related to spiritual care among healthcare professionals helps refine the scientific discussion and encourages further investigation into how spirituality impacts critically ill patients, ultimately leading to a better understanding of health outcomes in intensive care settings.
REFERENCES
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