O apoio espiritual como componente da abordagem integral aos cuidados de saúde

19 agosto 2025
14:00
Autor: Marcelo Saad
https://msaad.org

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde adota esta definição de saúde desde a sua fundação: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. No entanto, o bem-estar espiritual é também um forte candidato à inclusão como uma dimensão geral da saúde, aprimorando este modelo biopsicossocial. A humanização do atendimento clínico e as abordagens centradas no paciente nas últimas décadas tornaram essa expansão quase obrigatória. Consequentemente, o cuidado espiritual não é opcional, tornando-se uma obrigação e um pré-requisito ético para a boa prática da saúde.

Para promover esse avanço, este artigo foi escrito após os 25 anos de experiência e pesquisas anteriores do autor sobre a interface espiritualidade-saúde, com base principalmente em suas publicações científicas dos últimos três anos (SAAD et al., 2025; SAAD et al., 2024; SAAD et al., 2022). O leitor deve estar familiarizado com alguns conhecimentos derivados de estudos científicos das últimas décadas, a partir de publicações anteriores neste canal. Sabe-se que o bem-estar espiritual está ligado a uma melhor saúde física e mental, qualidade de vida e longevidade. Um paciente com bem-estar espiritual está mais bem equipado para lidar com o processo de adoecimento. O apoio espiritual deve ser uma responsabilidade fundamental de cada instituição de saúde.

O PAPEL DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE

Como “generalista” em apoio espiritual, o profissional de saúde pode realizar uma triagem espiritual e antecipar os impactos das crenças do paciente no tratamento. Essa prática é importante para estabelecer um vínculo empático, o que produz melhores resultados no atendimento ao paciente. Além disso, o reconhecimento precoce do sofrimento espiritual pode promover uma melhor qualidade do atendimento multidisciplinar.

Antes de abordar os aspectos espirituais, o paciente deve ser contextualizado quanto ao seu desejo de realizar tal abordagem. A filiação religiosa é a primeira informação de qualquer história espiritual; no entanto, interpretações doutrinárias e nível de observância tendem a diferir entre os fiéis. Portanto, a avaliação espiritual deve ser personalizada, evitando rotular ou estereotipar o paciente.

Escalas de triagem padronizadas são uma ferramenta prática e valiosa que minimizam barreiras como falta de conhecimento ou incerteza sobre o roteiro. Alguns questionários estão disponíveis para orientar a anamnese espiritual; os mais utilizados são FICA, ESPIRITual, HOPE e FAITH. Ao longo de todo o processo, a conexão humana é central por meio de respeito, autenticidade, não julgamento, empatia, gentileza e consciência.

Muitos pacientes hospitalizados têm restrições em algumas práticas religiosas/espirituais, como restrições dietéticas, limitações de mobilidade e isolamento devido a doenças contagiosas, entre outros. Essas restrições podem dificultar algumas práticas, orações e/ou ritos, e muitas vezes podem ser adaptadas com criatividade e recursos equivalentes. Para pacientes internados que observam a prática religiosa, o ministro religioso da comunidade pode ir ao hospital para oferecer cuidados pastorais específicos de sua tradição.

O PAPEL DAS INSTITUIÇÕES DE SAÚDE

Primeiro, é necessário “vender” a importância do apoio espiritual aos gestores de instituições de saúde. Implementar uma infraestrutura de apoio espiritual pode trazer diversos benefícios para a entidade. Quando os pacientes sentem que suas necessidades espirituais são reconhecidas e atendidas, sua experiência de tratamento tende a melhorar. Além do mais, isto fortalece a missão da organização de fornecer atenção ampla e abrangente à saúde. Por fim, muitos sistemas de acreditação de qualidade, como a Joint Commission International, demandam que serviços de saúde respeitem os valores e atitudes espirituais e religiosos dos pacientes.

Essa compreensão prévia é importante porque institucionalizar o apoio espiritual pode ser um desafio. A competição com outras prioridades assistenciais cria restrições de tempo e espaço para uma triagem espiritual adequada. Normas seculares na área da saúde contribuem para a relutância da equipe em se envolver com as histórias espirituais dos pacientes. Às vezes, a equipe pode até enfrentar preconceito de colegas ou gestores. Portanto, os serviços devem fomentar a confiança da equipe para que possam prestar um cuidado que atenda às necessidades espirituais dos pacientes.

A propósito, o apoio espiritual deve ser oferecido não apenas aos pacientes, mas também a toda pessoa envolvida com eles, haja visto a relação positiva entre bem-estar espiritual e bons parâmetros de saúde se aplica. Profissionais de saúde enfrentam desafios significativos em seu trabalho, e o apoio espiritual pode ser uma ferramenta valiosa para ajudá-los a lidar com isso. Implementar programas direcionados a essa população é essencial para garantir seu bem-estar e desempenho técnico.

FORNECENDO APOIO ESPIRITUAL PARA TODOS OS SISTEMAS DE CRENÇAS

Com a diversidade do cenário espiritual, atender às necessidades espirituais tornou-se um processo complexo que envolve pacientes de qualquer fé ou até mesmo sem alguma. O cuidador espiritual deve estar preparado para apoiar pessoas com diferentes tradições e visões de mundo. A situação menos desafiadora ocorre para pacientes com uma identidade religiosa bem definida. Nestes casos, um representante religioso da comunidade pode visita-lo e atender suas necessidades específicas. Vejamos a seguir alguns casos nos quais o sistema de crenças do paciente é mais diversificado.

O MODELO INTER-FÉ – Em países desenvolvidos, organizações certificam capelãos de saúde profissionais com treinamento bem sistematizado. Assim, eles podem atender a necessidades universais que vão além de doutrinas religiosas específicas. O objetivo do apoio inter-fé inclui a valorização de todas as crenças, incluindo as não religiosas, como o humanismo secular. Os profissionais de apoio espiritual podem interagir com pacientes com formação religiosa diferente da sua, utilizando estratégias técnicas para esse fim.

O PACIENTE COM “ESPIRITUALIDADE LAICA” – Paralelamente à pluralidade de visões de mundo e tradições espirituais, pessoas com visões seculares também buscam significado para suas vidas. Alguns exemplos de recursos seculares para a saúde espiritual incluem: (a) investir no crescimento moral por meio da reflexão pessoal e de escolhas de vida; (b) obter força de visões de mundo filosóficas e humanísticas; (c) dedicar mais tempo à natureza, à arte e a práticas contemplativas; (d) cultivar otimismo, esperança, gratidão e bom humor; e (e) praticar ações filantrópicas com solidariedade e compaixão.

ATEUS, AGNOSTICOS E AFINS – Eles podem ter valores e questionamentos fundamentais sobre importância e propósito da vida e por isto estarem passando por uma crise existencial. Indivíduos podem aprimorar seu bem-estar espiritual por meio de elementos não religiosos, raciocínio filosófico ou formas laicas de meditação. Entre as abordagens filosóficas para atingir esse objetivo, o estoicismo apresenta uma estrutura centrada na virtude e na busca do bem supremo.

SITUAÇÕES EM QUE O APOIO ESPIRITUAL É CRUCIAL

Os ditames de qualquer sistema de crenças estão abertos a interpretações individuais quanto ao seu significado. Quando as expectativas teológicas não correspondem aos resultados clínicos, o paciente pode ser tomado por angústia e desorientação. A persistência desses estados tende a agravar o estresse, prejudicando assim o equilíbrio mental e emocional.

Em algumas situações, valores religiosos podem entrar em conflito com decisões clínicas, podendo levar à recusa de tratamentos. No entanto, as potenciais consequências dessa autonomia representam um desafio jurídico, especialmente em situações críticas. Este problema se agrava quando as decisões precisam ser tomadas por familiares ou representantes dos pacientes.

A crença em uma cura milagrosa representa um desafio para o planejamento terapêutico se essa expectativa for uma forma de negação disfarçada de esperança. Tal crença pode gerar conflito ao interferir na tomada de decisões clínicas. Em situações extremas, crentes resolutos podem se opor a qualquer argumento racional. Uma ação institucional é necessária se a certeza em um milagre for fonte de angústia ou motivo de risco. Nesses casos, a intermediação por uma autoridade religiosa reconhecida pelo paciente ou pela família pode ser fundamental.

O diálogo aberto pode ajudar a dissipar mal-entendidos que podem afetar o tratamento. Às vezes, informações clínicas são transmitidas de uma forma que, inadvertidamente, ofende ou confunde o paciente. Um líder religioso pode mediar o diálogo entre pacientes, familiares e equipes clínicas. Assim, apesar das potenciais desvantagens, sempre é crucial reconhecer os aspectos culturais e respeitar as crenças dos pacientes.

CONCLUSÃO

Embora os desafios persistam, uma abordagem individualizada à saúde espiritual do paciente pode enriquecer os cuidados de saúde e promover seu bem-estar geral. Por meio de mente aberta, triagem cuidadosa e uma abordagem compassiva, os sistemas de saúde podem compreender e atender melhor às necessidades espirituais de seus pacientes. Lembremos que o papel do profissional de saúde é fornecer aos pacientes as melhores opções sem impor valores.

REFERÊNCIAS

SAAD, Marcelo; DE MEDEIROS, Roberta. Spiritual Support as a Component of the Whole Approach in Healthcare. 2025. IN: Mind-Body Practices in Healthcare. IntechOpen Publisher. London, UK. https://doi.org/10.5772/intechopen.1010156

SAAD, Marcelo; NASRI, Fabio. Apoio Espiritual em Saúde: Manual Prático. 1. ed. São Paulo: Manole, 2024. 262 p. v. 1. ISBN 9788520458921.

SAAD, Marcelo; DRYSDALE, Elaine; MARALDI, Everton. Spirituality and mental health: Exploring the meanings of the term “spiritual”. Frontiers in psychology, v. 13, p. 963708, 2022. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2022.963708

Spiritual support as a component of the comprehensive approach to healthcare

INTRODUCTION

The World Health Organization has adopted this definition of health since its founding: “a state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity.” However, spiritual well-being is also a strong candidate to be included as a general health dimension, enhancing this biopsychosocial model. Humanization of clinical care and patient-centered approaches in recent decades has made such expansion almost mandatory. Accordingly, spiritual care is not optional, becoming an obligation and an ethical prerequisite for good healthcare practice.

To promote such advance, this article was written after the author’s 25 years of experience and past research into the spirituality-health interface, mainly based on his scientific publications in the past three years (SAAD et al., 2025; SAAD et al., 2024; SAAD et al., 2022). The reader should be familiar with some knowledge derived from scientific studies in recent decades, from previous publications in this channel. It is known that spiritual well-being is linked to better physical and mental health, quality of life, and longevity. A patient with spiritual well-being is better equipped to manage the illness process. Spiritual support should be a fundamental responsibility of each health institution.

THE ROLE OF HEALTHCARE PROFESSIONALS

As a “generalist” in spiritual support, the health professional can perform a spiritual screening and anticipate the impacts of patient’s beliefs on treatment. This practice is important for establishing an empathetic bond, which produces better patient care results. Besides, early recognition of spiritual distress can promote a better quality of multidisciplinary care.

Before addressing spiritual aspects, the patient should be given context regarding their desire to undertake such approach. Religious affiliation is the first piece of information in each spiritual history; however, doctrinal interpretations and observance level tend to differ among believers. Thus, spiritual assessment should be customized, avoiding labelling or stereotyping the patient.

Standardized screening scales are a practical and valuable tool that minimizes barriers such as lack of knowledge or uncertainty about script. Some questionnaires are available to guide the spiritual anamnesis; the most used are FICA, SPIRITual, HOPE, and FAITH. Throughout the process, human connection is central through respect, authenticity, non-judgment, empathy, kindness, and awareness.

Many hospitalized patients have restrictions on some religious/spiritual practices, such as dietary restrictions, mobility constraints, and isolation due to contagious disease, among others. These should complicate some practices, prayers, and/or rites, and they can often be adapted using creativity and available equivalents. For religious observant inpatients, the community’s religious minister can come to the hospital to offer pastoral care specific to his or her tradition.

THE ROLE OF HEALTHCARE INSTITUTIONS

First, it is necessary to “sell” the importance of spiritual support to healthcare institution managers. Implementing a spiritual support infrastructure may bring several benefits for the establishment. When patients feel that their spiritual needs are acknowledged and addressed, their treatment experience tends to improve. Besides, it strengthens the organization mission of providing broad and compassionate health attention. Finally, many quality accreditation systems, such as the Joint Commission International, require healthcare services that respect patients’ spiritual and religious values and attitudes.

This previous understanding is important because institutionalizing spiritual support can be a challenge. Competition with other assistance priorities creates time and space restrictions for adequate spiritual screening. Secular norms in healthcare contribute to staff reluctance to engage with patients’ spiritual histories. At times, staff may even face prejudice from colleagues or managers. Thus, services must foster staff confidence so that they can provide care that meets patients’ spiritual needs.

By the way, spiritual support must be provided not only to patients but also to any person involved with them, as the positive relationship between spiritual well-being and good health parameters applies. Healthcare professionals face significant challenges in their work, and spiritual support can be a valuable tool to help them cope. Implementing programs targeted at this population is essential to ensure their well-being and technical performance.

PROVIDING SPIRITUAL SUPPORT FOR ALL BELIEF SYSTEMS

With the diversity of the spiritual landscape, meeting spiritual needs has become a complex process that involves patients of any faith or even no faith. The spiritual caregiver must be ready to provide support to people with different traditions and worldviews. The least challenging situation occurs for patients with a well-defined religious identity. In these cases, a religious representative from the community can visit them and address their specific needs. Let’s look at some cases in which the patient’s belief system is more diverse.

THE INTERFAITH MODEL – In developed countries, organizations certify professional health chaplains with well-systematized training. Thus, they can address universal needs that go beyond specific religious doctrines. The goal of interfaith support includes an appreciation of all faiths, including non-religious ones such as secular humanism. Spiritual support providers can interact with patients with a religious background different from their own by using technical strategies for this aim.

THE PATIENT WITH A “SECULAR SPIRITUALITY” – Parallel to the plurality of worldviews and spiritual traditions, people with secular views also search for meaning in their lives. A few examples of secular resources for spiritual health include: (a) investing in moral growth through personal reflection and life choices; (b) getting strength from philosophical and humanistic worldviews; (c) spending more time with nature, art, and contemplative practices; (d) cultivating optimism, hope, gratitude, and good mood; and (e) practicing philanthropical actions with solidarity and compassion.

ATHEISTS, AGNOSTICS, AND THE LIKE – They may have fundamental values and inquiries about life worth and purpose and thus be undergoing an existential crisis. Individuals can enhance their spiritual well-being through non-religious elements, philosophical reasoning, or laic forms of meditation. Among the philosophical approaches to achieving this goal, Stoicism presents a framework centered on virtue and pursuing the highest good.

SITUATIONS IN WHICH SPIRITUAL SUPPORT IS CRUCIAL

The dictates of any belief system are open to individual interpretations regarding their meaning. When theological expectations do not correspond to clinical outcomes, the patient may be overcome by distress and disorientation. The persistence of these states tends to aggravate stress, thus damaging mental-emotional balance.

In some situations, creed values can conflict with clinical decisions, which may lead to refusal of a treatment. However, the potential consequences of such autonomy pose a legal challenge, especially in critical situations and serious illnesses. This problem is worsened when decisions have to be made by family members or patient representatives.

The belief in a miraculous cure poses a challenge for treatment planning if this expectancy is a form of denial masked as hope. Such credence may generate conflict when it interferes with clinical decision-making. In extreme situations, resolute believers would oppose any rational argument. Institutional action is necessary if the certainty of a miracle is a source of distress or risk. In these cases, mediation by a religious authority recognized by the patient or family may be essential.

Open dialogue can help to dispel misunderstandings that could affect treatment. Sometimes, clinical information is conveyed in a way that inadvertently offends or confuses the patient. A religious leader can mediate dialogue between patients, families, and clinical teams. Thus, despite the potential drawbacks, recognizing cultural aspects and respecting the patient’s beliefs are always crucial.

CONCLUSION

Although challenges persist, an individualized approach to a patient’s spiritual health can enrich healthcare and promote the patient’s overall well-being. Through open-mindedness, careful screening, and a compassionate approach, health systems can better understand and address the spiritual needs of their patients. Let us remember that the role of the healthcare professional is to provide patients with the best options without imposing values.

REFERENCES

SAAD, Marcelo; NASRI, Fabio. Apoio Espiritual em Saúde: Manual Prático. 1. ed. São Paulo: Manole, 2024. 262 p. v. 1. ISBN 9788520458921.